18 de fevereiro de 2006

Legio VII Gemina


Este é o nome da legião romana que fundou e ocupou a então cidade de Leão, pertinho daqui (Léon). Não por acaso o nome da cidade deriva do mesmo radical latino que dá origem à palavra legião, legio. Esta legião ficou nestes solos, sediada em Leão, até fins do século quarto. Então, tendo a cidade de Leão sido fundada por eles antes do AD, não seria muito forçar a barra em pensar que tal legião já esteve nesta mesma cidade que hoje estou, por mais de uma vez. Da mesma forma, não menos ilustre presença, contudo nefasta, foi a de Aníbal, dos Cartagineses, que há pouco mais de 2000 anos sitiou a cidade, então chamada de Helmantica ou Salamantica, naquela que viria a ser sua expedição mais ousada.
Todos estes adornos lhes trouxesse porque, enquanto apreciava a ponte construída pelos romanos, que está bem próxima do local onde moro, fechei os olhos e tentei imaginar como seria a Legio VII atravessando a ponte, em formação e se dirigindo para algum sítio ao sul de Leão(pois Leão está ao norte de Salamanca). Da mesma forma, tentei imaginar como seria o exército de Aníbal acossando a cidade e seus habitantes.
Assim, continuei em minha paranóia(sendo que aí já não estava mais no meio da rua, mas sim sob meus lençóis), insisti no pensamento. Comecei com a legião romana, depois os cartagineses. Ative-me a eles, mas a vontade de começar a querer imaginar e visualizar outros momentos e batalhas começou a me tomar: Dardanelles, Termópilas, Volgogrado; em Dorylaeum, onde Saint-Gilles e Ademar de Puy socorrem a Boemundo de Taranto, enfim, perdi o controle.
Aí imaginei, totalmente em delírio, se fosse permitido a alguém(eu, claro!) atravessar os limites do tempo-espaço e presenciar, in loco, tais batalhas e momentos. Já pensou, poder se transformar em um grão de areia, provido com um par de olhos, das praias da Normandia? Ou uma árvore na batalha de Azincourt, uma rocha nas batalhas de Hattin e Mazikert, um peixe na batalha de Guadacanal, um pássaro na Batalha da Inglaterra? Participar de maneira passiva destes momentos onde tantos nomes pereceram, tanto sangue foi derramado, tantas lágrimas e suor brotaram? Ver nos olhos de um legionário, ou qualquer outro soldado de infantaria, a certeza da morte? Por estes últimos motivos, desisti da minha jornada.
A história contém os nomes dos generais vitoriosos e perdedores, mas não contém o nome dos que mataram e morreram, frente a frente, cara a cara. Não diz o sofrimento dos mutilados, das viúvas, dos órfãos, dos inválidos deixados para os abutres, chacais, lobos, tubarões. Segunda desistência.
São momentos como estes que exercem fascínio nas mentes daqueles que apreciam a história e, em especial, para aqueles afeitos às batalhas. E, principalmente, são em momentos como este que se percebe a importância dos líderes dos povos, suas aptidões, ou manifesta ausência. Decisões que foram tomadas por estes há séculos sob tênues luzes de fogueiras, dentro de tendas em acampamentos militares às vesperas de uma batalha, ainda exercem em nossas vidas influências imensuráveis. E hoje, em escritórios e gabinetes, em nosso mundo ocidental, os mesmos homens persistem, contudo, travam batalhas silenciosas, ocres, fétidas, nas quais não mais a existência de um povo está em jogo, mas sim, a obtenção do capital, a ganância desmesurada: o sofrimento de muitos em troca de um zero a mais. Ah! Como eu queria ser um simples legionário da Legio VII...

8 de fevereiro de 2006

Demorô, mas chegou...


Bom, aqui vai meu segundo ensaio em meu, nem tanto atualizado, diário. Estou há exatos 21 dias em terrras espanholas. Como não poderia ser de outra forma, vou tentar passar um resumo diferente daqueles que já passei por correio eletrônico para alguns e/ou telefonemas para outros. Na verdade, passando pela experiência que passo, confesso: pensava que seria mais empolgante responder as messagens deixadas pelos amigos e, da mesma forma, criar mensagens para os amigos dizendo o que tenho feito. Talvez, a partir de agora, já que estou em minha primeira semana com internet em casa, torne mais fácil apresentar minhas futuras participações. Deixando de embromação, vamos ao que interessa.
A cidade é bela, mas, devo dizer, numa beleza diferente daquela que imaginava enquanto estava no Brasil, vendo fotos na internet. Pensava que o prédios que via em fotos fossem maiores, com sua bonitas fachadas maiores. Me enganei. As fachadas continuam bonitas, mas não são exageradas em tamanho, exceto em dois prédios a seguir. Não estou dizendo que tais prédios careçam de beleza, pelo contrário, tem muito charme e originalidade, acentuada pelas diversas influências arquitetônicas nos desenhos e, principalmente, pelo tom de terracota dado pela pedra villamayor, que insolenemente apelidei de cariri por tamanha semelhança. Continuando. O tom terracota está presente em boa parte dos prédios. Tanto os prédios modernos como os antigos têm revestimento em pedras villamayor. Talvez com a iluminação mais direta a ser trazida pela primavera e verão os tons se acentuem e tornem mais bonita ainda a cidade.
Os prédios presentes na parte mais antiga da cidade são altíssimos. Ao andar pelas suas calçada, em ambos lados, vãos com menos de cinco metros de largura e paredões de quinze à trinta metros de altura lhe dão uma gostosa sensação de claustrofobia. Quanto mais perto do centro, mais altos são os prédios e mais estreitas são as ruas. Uma curiosidade: mesmo nestas ruas extremamente estreitas passam carros; assim, não podemos descuidar e sempre estar cientes disto. Imagine que, apesar de toda esta ausência de espaços o trânsito flui de maneira quase imperceptível(sim, feitores da Av. Was. Soares, engenharia de trânsito existe!) E é andando por estas ruas estreitas que se revelam duas maravilhas arquitetônicas: a Praça Maior e o conjunto das Catedrais. Para elas dedicarei postagens específicas tamanho deslumbre que elas me causam. Prometo colocar fotos, aliás, mesmo que coloque um terabyte de fotos e vídeos, jamais conseguirão sentir a opulência e imponência destas duas maravilhas. Elas me deixaram pequeno: me recordaram, in loco, que os prédios, de uma forma ou de outra, são uma impressão histórica do poder dos povos; e, assim, brasileiro, cearense e fortalezense que sou, percebi que não nos restam muitas "impressões" históricas.
Quanto ao povo, é uma boa gente. Tem um quê de simpatia e abertura que os ingleses não têm. Se você comete um erro, geralmente, não receberá uma grosseria em retribuição. Na verdade, eles toleram muito os erros dos estrangeiros, o que por si, já é uma demostração da aceitação deles em relação a estes. Pelo menos no que diz respeito a cidade de Salamanca, penso que não poderia ser de outra forma, uma vez que já faz alguns séculos que esta cidade recebe estudantes vindos de diferentes nações para sentar nos bancos de sua universidade. Quando tiver experiência em outras cidades espanholas e em outras juntas, terei uma visião certamente mais ampla.
Amanhã, que no calendário do meu diário não necessariamente é o seu amanhã, colocarei maiores impressões dos meus primeiros momentos. Beijos e abraços.

Difícil decolagem.

Em um país repleto de limitações institucionais, recheado com uma sociedade das mais desiguais que existe sobre a face do globo terrestre,...