13 de abril de 2011

Duas Cidades.



 

Dai-me o que te sobra, pobre defunta. O que te resta é bem pouco, quase nada. Antes do teu derradeiro suspiro, realenta minhas memórias. No teu olvido estará minha tristeza. Na tua lembraça, minha alegria. Não ouse despertar! Da tua presença vivem os abutres. Relute, e eles persistirão. Definhe, e eles irão. Me alegro da tua partida, pois de ti vem a vida deles. Não reclames, compadeço da tua resistência, mas não reclames. Sinta minha mão úmida na tua face, toma um afago do calor do meu sopro; não ouse disto recobrar sentidos e forças. Simplesmente, te peço, vá.

Imagino. Um dia deverás ter tido alamedas, passeios e arremedos de ramblas. O sol deveria, depois de uma espera ansiosa, achar-te uma das mais belas, das mais iluminadas e arejadas. Inflada duma brisa verde e crespa, que te percorria, por tuas sendas, soprando por dentre tuas esponjinhas. Que delícia!

Ao norte, teu mar, impassivo e inquieto, na eterna cobiça do teu costado. Maravilhado com esta esplendorisade em forma axadrezada. Suspirando através das ondas, relutando em te deixar ganhar espaço e, ao mesmo tempo, como prova de um amor indelével, entrega-te território. Um ou dois momentos de charme, mas até a retumbância deste gigante cede aos teus anseios. Sedutora.

E a minha face? Uma dentre tantas? Tomava gosto por ti na minha infância. Eu permitia, com inocência, que tuas paragens fossem gravadas nos preciosos registros da minha memória. É verdade... não apenas tuas paragens, mas teus aromas árboreos. Aquelas tuas sombras, usinas de frescor, enfrentavam teu grande amor celestial. Por onde andará aquela tua beleza de outrora, minha preciosa?

Ir e vir. Tamanha liberdades que me davas. Não queria que o tempo passasse enquanto te percorria, preciso te confessar isto também? Meus olhos eram teus em cada reparo de esquina. Curtia mesmo estes teus infinitos caminhos. Ah! E quantos prazeres bobos existiam perdidos por eles. Quantos destes prazeres se foram sem que deles, em ti, nada fora gravado.

Não vou prolongar nossa agonia, não vou. Mas não poderia deixar-te sair daqui sem um par de recordações. Uma delas era quando a chuva molhava teus mantos. Aliás, antes mesmo desta chegar, tu permitia um aroma ser exalado, avisando da chegada daquela. O arauto do vento fresco trazia um alívio. A melancolia da chuva, através de ti, também significava relento. Tuas lagoas e riachos suprimidos eram os únicos a refugar. Não queriam desaparecer, assim, de pronto e sem vestígios. Hoje estão, além dos subterrâneos, apenas nas memórias.

Já não te sobras tempo. Nem te atrevas. Bem sabes que as forças contra tua sobrevivência hão de persistir. Então? Foge daqui. Ouves? Ainda reverba, no pisar destes que insistimos em ti, o pio da tua alma, que desconfiava já haver partido. Néscia. Te conforto. Muitas semelhantes de ti são hoje apenas escombros, não serás a primeira, meu amor. Não me atrevo a pronunciar o nome delas aqui, no teu leito, mas foram muitas. Levadas, saqueadas, reerguidas e, novamente, destruídas. Avassaladas pelos passos dos homens, tal qual teu futuro. Nossa vida em comum chega ao fim.

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Tinha este texto repousando na minha área de trabalho. Se está correto e claro, eu não sei, mas reflete, com sinceridade, os sentimentos atuais que tenho em relação à cidade de Fortaleza. Sou defensor eterno do estado social. Jamais enfrentaria uma administração que compartilhe desta ideia. Mas é através da percepção de um cidadão ordinário com este escriba que fiz estas inquietas reflexões.

Não desconsidero outros aspectos da administração municipal. Apenas questiono o aspecto estético e urbanístico, componentes atrativos na busca de uma urbe civilizada. É a aparente falência das ações desta administração.

Enfim, no dia do aniversário de 285 da minha cidade, postei meu texto-desabafo. De todas as formas, parabéns Fortaleza!

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