17 de outubro de 2008

2001 - Uma Odisséia no Espaço - A derradeira Odisséia do homem. Um esboço.

Em seus primeiros instantes o filme já revela como será o estilo seguido: ascético e minimalista. Na alvorada do homem, Kubrick e Clark sugerem o abandono do sujeito do meio-ambiente, tão parelhos com as antas, para o meio-ambiente do sujeito. A partir do momento em que a criatura encontra um elemento do próprio habitat para alterar sua realidade e a daqueles com quem a divide: primeiro as antas, depois seus rivais e semelhantes.
Desta alvorada temperada com a retumbância de "Also Sprach Zaraustra", Kubrick e Clark trazem uma harmonia homem-meio simbolizada pelo "Danúbio Azul". O silêncio e a melancolia da África oriental são substituídos, salvo a decolagem da humanidade representada pelo osso, pela valsa das últimas ferramentas criadas pelo homem numa linha de evolução também dependente do trabalho e criatividade daqueles. O que começou com um osso terminou na estação espacial, que por sua vez, está incompleta, sugerindo, pois, que a evolução da criação humana sigue limitada.
Esta pista fica mais clara no não domínio da elementar força da gravidade. Caneta e aero-moça estão sujeitas ao mesmo poder natural e o pretenso homem-superdesenvolvido não terminou de dominar por completo este poder fundamental do seu meio.
Eis que então surge outra vez o obelisco negro. Da África pré-histórica para a superfície lunar. Do nascimento da derradeira evolução do planeta ao creprúsculo de si mesma. Pois o osso passará, em breve, a ter vontade própria, vontade que, in extremis, não mais precisará da mão do homem para matar. O que o faz, com Frank e com os três outros viajantes. O controle, assim como na pré-história, deixou de existir. A desordem voltou a estar presente; não por uma força ainda sem absoluto domínio, mas por uma criação humana: o homem vira Deus; a ferramenta vira homem.
O criador perde controle sobre a criatura. HAL 9000 abre uma nova eera na evolução da consciência. Uma nova era de criação e evolução de valores: a missão é mais importante que a vida humana; mais importante que seu criador. Por fim, como um primata que não tem domínio satisfatório de sua recém descoberta (como o bater do osso na areia), o super-computador falha, assim como em seu momento, falhou seu criador. Deixa de ser máquina e passa a um nível da evolução antes restrito ao seu mestre: "errar é humano". A falha de HAL 9000 demonstra que não mais.
Diferente da primeira dupla criador-criatura, este mais novo criador pode sim extinguir sua obra. A interação deixará de existir quando a consciência do homem resolve destruir a consciência de sua criação. Aquilo que o homem só conhece em teoria, o apocalipse, a máquina recebe em seu nascimento.
Que nova evolução traz a terceira aparição do monolito? Que momento mais próximo do desconhecido que os anteriores será este?
Após a morte da máquina, o homem revisa seus conceitos e sua escala tempo-espaço: poucos segundos e metros quadrados são sua vida. O todo-poderoso volta a ser nada frente a sua também finitude. O apocalipse do homem existe, mas não é aparente. Cada um terá o seu.
Aqui a última sugestão presente nesta obra de quase 40 anos: uma nova forma de existência é revelada. O ser que antes nascia quase cego vem ao mundo com os olhos bem abertos. Se o canto dos cisnes de Kubrick é "De olhos bem fechados", os olhos arregalados de Dave nos fazem crer que desde este primeiro momento aquela nova criatura poderá influenciar a vida de todas aquelas antas-humanas que habitam o planeta azul. Saí o osso, o exterior; entram elementos presentes no homem, mas que na marcha frenética, iniciada há milhões de anos atrás, não haviam sido desvelados.
Estão disponíveis os elementos necessário para sua transformação no criador derradeiro. Estes elementos não passam mais por ferramentas. O homem-astro depende de si mesmo. De sua capacidade de não utilizar o osso e ser, em si, a ferramenta final.

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