29 de março de 2007

Paulo Bonavides.




Peguei estas palavras na página do Tribunal de Justiça do Ceará.

Para conhecer Paulo Bonavides: @.

Sem mais.

DISCURSO DE SAUDAÇÃO AO DESEMBARGADOR XIMENES,

PROFERIDO PELO PROFESSOR PAULO BONAVIDES.


Cumprindo missão que me foi atribuída pela seccional cearense da Ordem dos Advogados do Brasil, aqui estou para dizer-vos, nesta tarde clara, festiva e solene, quanto me apraz presentar, em nome da Ordem, congratulações ao desembargador que, saído das fileiras da Advocacia, ascendeu, pelo quinto constitucional, ao mais elevado posto do Poder Judiciário no Estado do Ceará, que é a presidência deste Tribunal. E subiu na profissão por competência, merecimento, capacidade e devoção ao trabalho.

No proferir este discurso eu me confesso penetrado, - e não poderia deixar de ser -, de profundo sentimento de afeto, em razão de estar ante dois ex-discípulos da minha velha faculdade de leis: o Desembargador Ximenes, que se empossa, e o Desembargador Rocha Victor, que se despede.

O primeiro, carreando para esta casa um raio de luz e de labor fecundo; o segundo, deixando no rasto da saudade a marca de sua retidão de vida e de caráter. Ambos impolutos, ambos dignos, ambos honrados, ambos ornamentos deste Tribunal. A presente homenagem, eu a estendo do mesmo passo aos eminentes Desembargadores Rômulo Moreira de Deus e José Cláudio Nogueira Carneiro, eleitos respectivamente Vice-
Presidente e Corregedor Geral da Justiça na gestão que ora se inaugura.

A gravidade do momento que o país ora atravessa não tem paralelo nem antecedência nos idos da nacionalidade.

Breve reflexão acerca de como o elemento ético prepondera nos sistemas de governo mostra que, onde se postergam valores morais, a governabilidade oscila e a máquina do poder, oxidada e corroída, desserve a sociedade, embarga o progresso, e é apenas instrumento de privilégio, de usurpação e de hipocrisia dos que, artífices da ingovernabilidade, embrutecem o povo, enganam o cidadão, esmagam a classe média.

Ontem, o presidencialismo produziu crises constitucionais decretando a queda de governos e o advento de ditaduras.

Hoje, sua malignidade cresce e incha. Já não é a chefia de um Poder que se questiona senão a sobrevivência de um regime que fenece. Cuida-se de instituições que a torpeza dos políticos e a corrupção dos governantes vão lentamente minando com risco de colapso e de esfacelamento.

Na raiz da Constituição material enferma depara-se-nos uma forma de governo que cem anos de decepções republicanas e de malogradas aspirações populares lhe passaram a certidão de óbito. Há talvez no campo raso da História dois cadáveres insepultos: o presente modelo de gestão pública do Brasil, duma parte; doutra parte, a organização representativa do modo que funciona. Nesta, dois Poderes políticos da República - o Executivo e o Legislativo - perdem legitimidade, sem a qual não se governa nem se impõe obediência, respeito e exercício de
autoridade.

Em rigor, o que então se aparelha são as soluções de força, com as leis de arbítrio, fatais a quem as executa, indecorosas a quem as faz, inaceitáveis a quem, por fim, no domínio social, é destinatário de tais determinações normativas.

Entendo, Desembargador Ximenes, que só há direito legítimo numa sociedade da justiça e da liberdade, em estruturas que se não compadecem com o caudilhismo, porquanto este massifica os estamentos sociais e, negando ao povo o direito da terceira geração, nega ao trabalhador o desenvolvimento que o liberta.

A dobrez desse governo faz, dum lado, a opulência bilionária de banqueiros, nacionais e estrangeiros; doutro lado um programa de assistencialismo paternalista e paliativo, por onde se reproduz, na antiga linha do cesarismo imperial, o "panem et circenses" dos romanos da decadência, cujos imperadores, síndicos da massa falida de uma civilização, foram gestores de um império, logo a seguir desfalecido, invadido e retalhado, até diluir-se nas pulverizações feudais da idade média. Com aquela política Roma destruiu o passado, o Brasil destrói o futuro.

Demais disso, cabe-nos assinalar por igual o declínio e a desmoralização que ferem de morte o corpo representativo, arrastando na corrente da dissolução ética outros poderes republicanos já contaminados, dentre os quais, aliás, urge dizer com toda a franqueza e lealdade, não é exceção o Judiciário. Afigura-se-nos, todavia, haver sido este o menos atingido pelo grau de contágio e propagação do flagelo, o qual, tocante ao nepotismo, já foi por ele grandemente debelado.

Minha geração, Desembargador Ximenes, padeceu as atribulações de uma guerra mundial; fez o percurso de três ditaduras, duas civis e uma militar, esta com duração de vinte anos; consignou na crônica do presidencialismo o desmoronamento de duas repúblicas constitucionais; sofreu grandes traumas: do suicídio à renúncia e deposição de presidentes, tendo sido, além disso, testemunha ocular de um par de Constituições outorgadas que buscavam aparência de legitimidade para poderes e regimes maculados de arbítrio e nascidos de golpes de Estado. Finalmente, enfrentou e continua enfrentando situações conturbadas, de crise e corrupção, que aceleram vertiginosamente o processo degenerativo da democracia representativa.

Vossa Excelência, portanto, Desembargador Fernando Ximenes, assume a presidência da mais alta magistratura judiciária do Estado do Ceará com o Brasil mergulhado em crise; com a nação cortada de abalos políticos, morais, administrativos e sociais que lhe varrem as instituições; com o povo debilitado na fé republicana; com o sistema tolhido no funcionamento normal e legítimo dos altos mecanismos de governo e soberania.

Apesar de tudo, diante desse quadro negativo, a meu parecer, unicamente duas chaves podem cerrar as portas da crise: uma feita dos ensinamentos de Rui Barbosa, se a classe dirigente assimilar-lhe as lições que ministrou sobre a fiel observância da Constituição; a outra, tirada da leitura de Capistrano de Abreu, o hermeneuta da sociedade, o expositor da História, o constitucionalista da vergonha; vergonha que ele mandou imprimir no rosto de todos os brasileiros como a carta magna da alforria nacional, outorgada na síntese amarga de um protesto. Aliás, vergonha é dignidade, dignidade é princípio, e princípio, nesse contexto, é sobretudo aquela força superlativa, aquela diretriz que faz inderrogáveis as cláusulas da Constituição, protetoras do homem cidadão, do homem livre, do homem expressão do civismo, do direito fundamental, da justiça, da identidade democrática e do pensamento social.

Parabéns, Desembargador Fernando Ximenes. Escreva Vossa Excelência, nas salas deste Tribunal, a página mais brilhante de sua biografia!

Estes os nossos votos, estes os votos da sociedade cearense, estes, enfim, os votos que lhe dirige a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Ceará.

A Ordem deveras me desvaneceu com o múnus de proferir, pois, esta saudação, modesta, mas repassada ainda de muita fé e de muita esperança nos destinos da Pátria comum. Muito Obrigado.

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