2 de maio de 2006

Bravatas e irresponsabilidade





Um comentário ao artigo de Eliane Cantanhêde, "É guerra!", sobre a "crise" boliviana, publicado na Folha de 2/5. Diz a Constituição Federal, art. 4º:

A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Inúmeras foram as tolices e bravatas que abundaram na mídia eletrônica tratando do caso do decreto do presidente boliviano, Evo Morales. "É guerra!" foi a mais irresponsável e alienada encontrada e veio de ninguém menos que Eliane Cantanhêde, e na página 2 da Folha. Bem, já faz algum tempo que se percebe a linha presente naquele espaço jornalístico, não poderia ser diferente desta vez. Na coluna, a jornalista cita especificamente um produto que viria, ou vai, ser produzido pelo empresário Eike Batista, o mesmo que na crise do apagão do governo FHC firmou contrato de conto de fadas com o governo para a construção de uma usina termelétrica no Ceará, entre outras duas.

Assim, é de se indagar se a jornalista, fora o talento com as palavras, também detém conhecimentos de siderurgia ou demais produtos da indústria de base. A outra alternativa é que tenha levantado a informação precisa daquilo que Eike vai produzir em solo boliviano. Desta forma, no caso da segunda hipótese, deve ter experimentado uma sensação de compaixão pelo infortúnio do empresário brasileiro.

Pois bem, o citado contrato de Eike Batista traz uma cláusula que diz que a Petrobras (vejam só!) deve pagar por eventual falta de lucro da contratada. Pagamento este que ronda a casa dos R$ 2 bilhões agora, R$ 6 bilhões até 2007. Deveria ela lembrar de três coisas:

Primeiro, a Petrobras, centro das atenções neste momento, "pode" vir a perder, estima-se, R$ 1 bilhão em conseqüência do decreto do presidente boliviano, prejuízo que ainda permanece na casa do "talvez", já que não se sabe o próximo passo das negociações. A mesma Petrobras que vai cobrir o buraco de bilhões do empresário, salvo sejam alterados os contratos Petrobras-Eike, por um produto não-servido.

Flores e silêncio

Segundo, tanto Brasil como, principalmente, Bolívia são nações historicamente vilipendiadas pelo capital ao longo de cinco séculos. As grandes massas de seus povos sempre são preteridas pela oligarquia fantoche e vivem em miséria. Quem pense o contrário que diga se o destino de R$ 5 bilhões, numa balança política, vai para o povo ou para o empresário. Resposta: a segunda opção. Em vez de se informar sobre qual produto será ou não produzido em solo boliviano, a jornalista deveria ter pesquisado as condições de vida dos bolivianos.

Terceiro, a Bolívia é um país soberano, e seu povo elegeu um presidente que, legitima e legalmente, o representa. Desta forma, segundo a norma constitucional citada, deve-se respeitar e acatar a decisão do presidente da nação vizinha. E aproveitar a oportunidade para abrir uma via de integração entre os dois países, como prevê o texto constitucional, em lugar de utilizar a pesada palavra "guerra" na segunda página de um jornal de grande circulação. Clausewitz teria algumas coisas a dizer a esta jornalista...

A mídia mais uma vez mostra sua face: para o empresário, as flores; para os bilhões já perdidos, silêncio; ao que resta dos índios bolivianos, guerra!

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